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terça-feira, julho 05, 2016

Os primeiros cristãos não tinham uma Bíblia completa



Estudiosos bíblicos nos revelam que o último livro da Bíblia não havia sido escrito até o final do primeiro século, isto é, até meados do ano 100 d.C.9. Este fato demonstra um intervalo inexato de cerca de 65 anos entre a ascensão de Cristo aos céus e o término da redação da Bíblia como a conhecemos. A pergunta que deve ser feita é a seguinte: Quem ou o quê serviu como autoridade final e infalível durante este tempo?

Se a doutrina protestante da Sola Scriptura fosse verdade, então houve disputas e discussões dentro das comunidades que não tiveram a oportunidade de ser resolvidas definitivamente, até que os livros do Novo Testamento fossem escritos, mesmo já existindo uma Igreja antes que a Bíblia estivesse completa. O barco ficou sem comandante, por assim dizer, pelo menos por um determinado tempo. Porém isto vai de encontro às afirmações e promessas que Jesus fez à sua Igreja: “Eis que estarei convosco todos os dias, até a consumação dos tempos” (Mt 28,20), sem mencionar que Ele garantiu a seus discípulos: “não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18).


Este é um assunto de particular importância, pois as primeiras décadas da existência da Igreja foram repletas de tumultos. As perseguições já haviam começado, cristãos estavam sendo martirizados, a nova fé estava lutando para crescer, e alguns falsos mestres já haviam aparecido (cf. Gl 1,6-9). Se a Bíblia fosse a única regra de fé dos cristãos, sendo que ela ainda não havia tomado forma - muito menos definido seu cânon - durante pelo menos 65 anos depois da ascensão de Jesus, como a Igreja primitiva poderia resolver questões doutrinárias sem uma autoridade que a conduzisse?

Neste momento os protestantes buscam oferecer duas possíveis respostas:
1) Os apóstolos eram temporariamente a última autoridade enquanto o Novo Testamento estava sendo escrito;
2) E, que o Espírito Santo foi dado à Igreja e que a sua direta orientação foi o que preencheu a lacuna entre a ascensão e a definição do Novo Testamento.

Sobre a primeira resposta, é verdadeiro que Jesus revestiu aos apóstolos da Sua autoridade; contudo, a Bíblia em local algum indica que esta autoridade dentro da Igreja iria cessar com a morte dos apóstolos. Pelo contrário, a Bíblia é bastante clara quando: 1) em lugar algum diz que uma vez morto o último apóstolo, a Palavra de Deus escrita tornaria-se a autoridade final e; 2) os apóstolos claramente escolheram sucessores que, por sua vez, possuíram a mesma autoridade de ligar e desligar. A substituição de Judas Iscariotes por Matias (cf. At 1,15-26) e a transmissão da autoridade apostólica de Paulo a Timóteo e Tito (cf. 2 Tm 1,6; Tt 1,5) são exemplos de sucessão apostólica.

Sobre a segunda resposta - que o auxílio direto do Espírito Santo preencheu a lacuna - o problema com este entendimento é que o auxílio direto do próprio Espírito Santo é uma conclusão extra-bíblica. Naturalmente, a Bíblia nos fala da clara presença do Espírito Santo entre os cristãos e sua missão de ensinar aos apóstolos toda a verdade, porém se a direção direta do Espírito Santo foi, de fato, a autoridade final durante estes 65 anos, então a história da Igreja conheceu duas autoridades finais sucessivas: primeiro, o Espírito Santo, sendo que esta autoridade foi substituída pela Escritura, que então tornaria-se sola, ou a única autoridade final. E se esta situação de uma autoridade final extra-bíblica é permissiva pelos protestantes, não o é pelos católicos, que afirmam que a autoridade do ensino da Igreja é a autoridade final direta - derivando sua autoridade de Cristo e seu ensino da Escritura e da Tradição, guiada pelo Espírito Santo.

O Espírito Santo foi dado à Igreja por Jesus Cristo, e é exatamente este mesmo Espírito que protege o chefe visível da Igreja, o Papa, e a autoridade do ensino da Igreja jamais permitindo que ele ou ela caiam em erro. O católico acredita que Cristo de fato enviou seu Espírito Santo à Igreja e que este Espírito esteve sempre presente na Igreja, ensinando toda a verdade (Jo 16,13) e continuamente protegendo sua integridade doutrinal, particularmente pelo ofício do Papa. Com isso o Evangelho pode continuar sendo pregado - com autoridade e infalivelmente - mesmo sem um só versículo do Novo Testamento.


Nota: Existem alguns estudiosos que afirmam que 2 Pd foi o último livro escrito do Novo Testamento, datando do início do século dois. Pelo fato de não haver consenso entre os especialistas sobre a data acurada, é suficiente para nosso propósito aceitar a visão geral de que ao fim do século um, todos os livros do Novo Testamento já haviam sido escritos.

Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R6

A Escritura afirma que não é suficiente como orientadora.



A Bíblia mostra em 2 Tm 3,17 que o homem de Deus é perfeito, qualificado para qualquer boa obra. Como percebemos acima, este versículo prova somente que o homem de Deus é plenamente suprido com as Escrituras; isto não é garantia de que ele automaticamente saiba como interpretá-la da maneira correta. Este versículo chama a atenção à suficiência material das Escrituras, uma opinião que alguns pensadores católicos sustentam atualmente.

A suficiência material significaria que a Bíblia de certo modo contém todas as verdades que o cristão precisa saber; em outras palavras, os materiais estão todos presentes ou no mínimo implícitos. Suficiência formal, por outro lado, significaria que a Bíblia não somente contém todas as verdades que são necessárias, mas que ela também apresenta estas mesmas verdades e um sentido perfeitamente claro e de pronto entendimento. Em outras palavras, estas verdades estariam em uma forma prática tamanha que não haveria necessidade de uma Sagrada Tradição para clarificar e complementar o entendimento da Palavra de Deus com uma interpretação infalível.

Devido a Igreja Católica afirmar que a Bíblia não é suficiente por si mesma, naturalmente ensina que esta necessita de um intérprete. São duas as razões pelas quais a Igreja ensina tal coisa: primeiro, porque Cristo estabeleceu uma Igreja viva para ensinar com Sua autoridade. Ele simplesmente não deu uma Bíblia aos seus discípulos, completa e encadernada, e lhes disse para ir e fazer cópias para a multidão, para distribuir, e deixar que cada um interprete-a do seu jeito. Segundo, a própria Bíblia afirma que precisa de um intérprete.

Sobre a segunda assertiva, lemos em 2 Pd 3,16 que São Paulo escreveu passagens difíceis, cujo sentido pessoas ignorantes e sem formação deturpam, como também fazem para as demais Escrituras, para a própria condenação. Neste único versículo podemos ver três pontos muito importantes sobre a Bíblia e sua interpretação:

a) A Bíblia contém passagens que não são facilmente compreendidas ou suficientemente claras, um fato que demonstra a necessidade de um orientador infalível e com autoridade suficiente para tornar as passagens claras e compreensíveis;
b) Não é somente possível que algumas pessoas deturpem o significado da Escritura, mas isto, de fato, já estava sendo feito desde o começo da era da Igreja;
c) Distorcer o significado da Escritura pode resultar na condenação de um indivíduo, realmente um destino desastroso. É óbvio destas considerações que Pedro não acredita que a Bíblia deva ser a única regra de fé. Mas há mais.

Em At 8,26-40 lemos o encontro do diácono Felipe com o eunuco etíope. Neste cenário, o Espírito Santo leva Felipe a se aproximar do etíope. Quando Felipe percebe que o etíope está lendo o profeta Isaías, faz uma importante pergunta: será que compreendes verdadeiramente o que está lendo? Mais importante é a resposta dada pelo eunuco: e como poderia eu compreender, respondeu ele, se não tenho guia? Mesmo que este Felipe (conhecido como o Evangelista) não seja um dos apóstolos, ele fora comissionado pelos apóstolos (cf. At 6,6) e pregou o Evangelho com autoridade (cf. At 8,4-8). Conseqüentemente, sua pregação refletiria o legítimo ensino dos apóstolos. A questão aqui é que as declarações do etíope verificam o fato de que a Bíblia não é suficiente por si mesma como orientadora de doutrina cristã, e as pessoas que ouvem a Palavra precisam de uma autoridade que as oriente corretamente para que possam entender o que a Bíblia quer dizer. Se a Bíblia fosse de fato suficiente por si mesma, então o eunuco compreenderia claramente a passagem de Isaías.

Também há 2 Pd 1,20, que afirma: nenhuma profecia da Escritura é objeto de interpretação pessoal. Aqui vemos a própria Bíblia afirmar de forma inequívoca que suas profecias não são objeto pelos quais o indivíduo deva compreender pelos seus próprios meios. Também é de grande importância que este verso seja precedido por uma seção sobre o testemunho apostólico (vv.12-18) e seguido por uma seção sobre falsos mestres (2,1-10). Pedro está contrastando o ensino apostólico genuíno com os falsos profetas e falsos mestres, e faz a referência à interpretação pessoal como o pivô entre os dois. A implicação imediata e clara é que a interpretação pessoal é um caminho por onde o indivíduo perde-se do autêntico ensino dos apóstolos e passa a seguir falsos mestres.

Nota: A afirmação protestante de que a Bíblia interpreta a si mesma nada mais é do que uma futilidade. Afirmam que cada pessoa pode chegar a uma correta interpretação bíblica comparando seus versículos com outros da Bíblia. O problema com este argumento pode ser assim demonstrado: peça a dez pessoas para darem sua interpretação sobre um certo versículo bíblico, e é provável que encontre dez interpretações diferentes. Se a Bíblia pudesse interpretar a si mesma, sempre se chegaria à mesma conclusão, independente da época em que se estuda, mesmo pelas mais diferentes pessoas. E se tal diferença de interpretações pode ser verdadeira para apenas dez pessoas, imagine então o resultado quando se multiplica este número por milhares ou milhões? A história já demonstrou tal resultado, e seu nome é Protestantismo.



Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R5


Cristo nos fala para submetermo-nos à autoridade da Igreja.



Em Mt 18,15-18 vemos Cristo orientar seus discípulos em como corrigir um companheiro. É dito neste exemplo que Nosso Senhor identifica melhor a Igreja que as Escrituras como sendo a autoridade final a se apelar. Ele mesmo diz que se o irmão pecador não ouvir a própria Igreja, seja para ti como o pagão e o coletor de impostos (v.17) - isto é, como um excluído. Além do mais, Nosso Senhor re-enfatiza solenemente a autoridade infalível da Igreja no v.18 repetindo Seu pronunciamento anterior sobre o poder de ligar e desligar (Mt 16,18-19), dirigido desta vez aos apóstolos como um colégio, um grupo, e não somente a Pedro: “Em verdade eu vos declaro: tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra será desligado no céu” (Mt 18,18)7.

É claro que existem exemplos na Bíblia onde Nosso Senhor apela às Escrituras, mas nestes casos Ele, como aquele que possui a autoridade, estava ensinando as Escrituras; Ele não estava permitindo que as Escrituras ensinassem a si mesmas. Por exemplo, Ele preferiu responder aos escribas e fariseus usando as Escrituras precisamente porque estes tentavam apanhá-lo usando as mesmas Escrituras. Nestes exemplos, Jesus geralmente demonstra como os escribas e fariseus tinham más interpretações, então corrigia-os mediante a correta interpretação escriturística.

Suas ações não servem de argumento para que a Escritura seja Sola, ou uma autoridade por si mesma e, de fato, a única autoridade do cristão. Muito pelo contrário: em todo lugar que Jesus leva seus ouvintes às Escrituras, Ele também fornece o Seu entendimento infalível, uma interpretação com autoridade, demonstrando que as Escrituras não podem interpretar a si mesmas.

A Igreja Católica prontamente reconhece a inerrância e autoridade da Escritura. Porém a doutrina católica diz que a regra imediata de fé dos cristãos é a autoridade do ensino da Igreja - uma autoridade para ensinar e interpretar a Escritura e a Tradição, como mostra Mt 18,17-18.


Também deve-se notar que está implícita (ou talvez até explícita) nesta passagem de Mateus o fato de que a Igreja deve ser visível, uma entidade palpável estabelecida sob uma linha hierárquica. De outro modo, como alguém saberia a quem encaminhar o pecador? Se a definição protestante de igreja fosse correta, então o pecador deveria escutar todos os cristãos que existem, desejando que haja uma unanimidade entre eles acerca do objeto da discussão. Transborda aos olhos o absurdo que esta interpretação causaria. O único modo de tornar a afirmação de Nosso Senhor plausível é reconhecendo que lá havia uma organização definida, com ofícios hierárquicos definidos, a quem um apelo poderia ser feito e de onde um julgamento decisivo poderia ser dado.

Nota: A Igreja Católica afirma que "o corpo dos bispos", os sucessores dos apóstolos, também goza de infalibilidade, quando, em união com o Papa, "exerce seu magistério supremo, sobretudo em um Concílio Ecumênico" (cf. CDC no. 891). "Ligar e desligar" é uma terminologia rabínica, e se refere à autoridade de seus ensinamentos e interpretações. Cristo claramente pretendeu, portanto, que seus apóstolos, sob a liderança de Simão Pedro (contudo somente Pedro recebeu o poder das chaves), possuíssem a autoridade para ensinar a correta interpretação.

Para entender melhor, leia: A Bíblia qualifica a Igreja como Coluna e Fundamento da Verdade.

Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R4

A Bíblia qualifica a Igreja como Coluna e Fundamento da Verdade.


É muito interessante que em 1 Tm 3,15 vemos não a Bíblia, mas a Igreja - isto é, a comunidade viva de crentes fundada sob Pedro e os apóstolos e mantida pelos seus sucessores - sendo chamada de coluna e fundamento da verdade. Claramente esta passagem de modo algum significa diminuir a importância da Bíblia, mas sua intenção é de mostrar que Jesus Cristo de fato estabeleceu um magistério autorizado que foi enviado a ensinar todas as nações (cf. Mt 28,19). Em outro lugar esta mesma Igreja recebeu de Cristo a promessa de que os portões do inferno não prevaleceriam contra ela (cf. Mt 16,18), pois Ele sempre estaria presente (cf. Mt 28,20) e enviaria o Espírito Santo para ensiná-la todas as verdades (cf. Jo 16,13). Ao chefe visível de sua Igreja, São Pedro, Nosso Senhor disse: “Te darei as chaves do Reino dos Céus. Tudo que ligares na terra será ligado no céu; e tudo que desligares na terra será desligado no céu” (Mt 16,19). É evidente a partir destas passagens que Nosso Senhor enfatiza a autoridade de Sua Igreja e a norma que deveria seguir para salvaguardar e definir o Depósito da Fé.


Também é evidente destas passagens que esta mesma Igreja seria infalível, pois se em algum lugar de sua história a Igreja ensinou o erro em matéria de fé e moral - ainda que temporariamente - cessaria de ser coluna e fundamento da verdade. Pelo fato de todo fundamento existir para ser firme e permanente, e de que as passagens acima não permitem a possibilidade da Igreja ensinar algo contrário à reta fé e moral, a única conclusão plausível é que Nosso Senhor foi muito preciso em estabelecer a sua infalibilidade quando chamou-a de coluna e fundamento da verdade.

O protestante, entretanto, vê aqui um dilema quando afirma que a Bíblia é a única regra de fé para os crentes. Qual a capacidade, então, da Igreja - coluna e fundamento da verdade - se não deve servir para estabelecer autoridade alguma? Como a Igreja pode ser coluna e fundamento da verdade se não é palpável, habitualmente prática para servir como autoridade na vida do cristão? O protestante efetivamente nega que a Igreja seja o fundamento da verdade por negar que ela possua qualquer autoridade para ensinar.

Além disso, os protestantes entendem o termo Igreja como sendo algo diferente do que entende a Igreja Católica. Os protestantes vêem a igreja como uma entidade invisível, e para eles ela é a coletividade de todos os cristãos ao redor do mundo unidos na fé em Cristo, apesar das grandes variações nas doutrinas e alianças denominacionais. Os católicos, por outro lado, entendem que não somente os cristãos unidos na fé em Cristo formam seu corpo místico, mas entendemos simultaneamente que esta seja - e somente uma - a única organização que possa traçar uma linha ininterrupta até os próprios apóstolos: a Igreja Católica. É esta Igreja e somente esta Igreja que foi estabelecida por Cristo e que tem mantido uma consistência absoluta em doutrina através de sua existência, e, portanto, é somente esta Igreja que pode requerer ser a coluna e fundamento da verdade.


O protestantismo, por comparação, tem conhecido história de fortes vacilos e mudanças doutrinárias, e nem mesmo duas denominações concordam entre si completamente - mesmo quanto a doutrinas importantes. Tais mudanças e alterações não permitem que sejam consideradas fundamento da verdade. Quando os fundamentos de uma estrutura alteram-se ou são dispostos inapropriadamente, este mesmo fundamento é fraco e sem suporte firme (Mt 7,26-27). Pelo fato de o protestantismo ter experimentado mudanças tanto intradenominacional quanto entre as diversas denominações que surgem continuamente, estas crenças são como uma fundação que muda constantemente. Tais credos então cessam de prover o suporte necessário para manter a estrutura que sustentam, e a integridade dessa estrutura fica comprometida. Nosso Senhor claramente não pretendeu que seus discípulos e seguidores construíssem suas casas espirituais em tal fundamento instável.


Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R3

A Bíblia indica que devemos aceitar a Tradição Oral



São Paulo recomenda e ordena a manutenção da Tradição Oral. Em 1 Cor 11,2, por exemplo, lemos: “Eu vos felicito por vos lembrardes de mim em toda ocasião e conservardes as tradições tais como eu vo-las transmiti”. São Paulo está claramente recomendando que mantenham a tradição oral, e deve ser notado em particular que ele congratula os fiéis por fazê-lo (Eu vos felicito...). Também é explícito no texto o fato de que a integridade desta Tradição oral apostólica era claramente mantida, da mesma forma como Nosso Senhor havia prometido, sob o auxílio do Espírito Santo (cf. Jo 16,13).

Talvez o mais claro apoio bíblico para a Tradição oral seja 2 Ts 2,15, onde os cristãos são enfaticamente advertidos: “Assim, pois, irmãos, ficai inabaláveis e guardai firmemente as tradições que vos ensinamos, de viva voz ou por carta”. Esta passagem é significante porque:
a) mostra uma tradição oral apostólica vivente;
b) diz que os cristãos estarão firmemente fundamentados na fé se aderirem a estas tradições;
c) e, claramente afirma que estas tradições eram tanto escritas como orais.

A Bíblia distintamente mostra aqui que as tradições orais - autênticas e apostólicas em sua origem - deveriam ser seguidas como componente válido do Depósito da Fé, então por quais razões ou desculpas os protestantes a rejeitam? Com que autoridade podem rejeitar uma exortação clara do apóstolo Paulo? Além do mais, devemos considerar o texto desta passagem. A palavra grega krateite, traduzida aqui como “guardar”, significa “estar firme”, “forte”, “prevalecer”. Esta linguagem é enfática, e demonstra a importância da manutenção destas tradições. Obviamente, devemos diferenciar o que seja Tradição (com T maiúsculo), que é parte da revelação divina, das tradições da Igreja (com t minúsculo) que, mesmo que sejam boas, desenvolveram-se tardiamente e não fazem parte do Depósito da Fé. Um exemplo de algo que seja parte da Tradição seria o batismo infantil; um exemplo de tradições da Igreja seria o calendário das festas dos santos. Tudo que venha da Sagrada Tradição é de origem divina e são imutáveis, enquanto que as tradições da Igreja são cambiáveis pela Igreja. A Sagrada Tradição serve-nos como regra de fé por mostrar no quê a Igreja tem consistentemente crido através dos séculos e como ela sempre entendeu uma determinada parte Bíblica. Uma das principais formas pelo qual a Sagrada Tradição foi transmitida a nós está nas doutrinas dos textos litúrgicos antigos, o serviço divino da Igreja.


Todos já notaram que os protestantes acusam os católicos de promoverem doutrinas novas e anti-bíblicas baseadas na Tradição, por afirmarem que tal Tradição contém doutrinas que são estranhas à Bíblia. Entretanto, esta acusação é profundamente falsa. A Igreja Católica ensina que a Tradição Oral não contém nada que seja contrário à Tradição Escrita. Alguns pensadores católicos afirmam, inclusive, que não há nada na Tradição Oral que não seja encontrado na Bíblia, mesmo que implicitamente ou em formas seminais. Certamente as duas estão em perfeita harmonia e complementam uma à outra. Para algumas doutrinas, a Igreja faz uso da Tradição mais que pelas Escrituras para seu entendimento, mas mesmo estas doutrinas estão incluídas nas Sagradas Escrituras. Por exemplo, as doutrinas seguintes são preferencialmente baseadas na Sagrada Tradição: batismo infantil, o cânon das Escrituras, o domingo como Dia do Senhor, a virgindade perpétua de Maria e a assunção de Maria.

A Sagrada Tradição complementa nossa compreensão da Bíblia ao mesmo tempo que não constitui uma fonte extra-bíblica de revelação, com doutrinas novas ou estranhas a ela. Muito pelo contrário: a Sagrada Tradição age como a memória viva da Igreja, relembrando-a constantemente o que criam os cristãos antigos, como entendiam e interpretavam as passagens bíblicas. De certa forma, é a Sagrada. Um exemplo desta forma interpretativa envolve Ap 12. Os Padres da Igreja entenderam a mulher vestida de sol como referência à Assunção da Virgem Maria. Alguém afirmar que esta doutrina não existia até 1950 (o ano em que o Papa Pio XII definiu-o como dogma de fé) corresponde a uma grande ignorância de história eclesial. Essencialmente, a crença surgiu desde o início, mas não fora formalmente definida até o século 20. Deve-se saber que a Igreja geralmente não costuma definir uma doutrina formalmente a não ser que esta seja questionada por correntes heréticas perigosas. Tais ocasiões requerem uma necessidade oficial de definir parâmetros sobre a doutrina em questão. Tradição que diz ao leitor da Bíblia: Você está lendo um livro muito importante, que contém a revelação de Deus aos homens. Agora deixe-me explicá-lo como ela sempre foi entendida e praticada pelos cristãos desde o início dos tempos.


Para entender melhor, leia: A Sola Scriptura não é ensinada em parte alguma da Bíblia

Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R2

A Sola Scriptura não é ensinada em parte alguma da Bíblia









Talvez a razão que mais chame a atenção para rejeitar esta doutrina é que não existe nem mesmo um só versículo onde esta seja ensinada, e isto, portanto, torna esta doutrina auto-refutada. Os protestantes comumente citam versículos tais como 2 Tm 3,16-17 ou Ap 22,18-19 em defesa da Sola Scriptura, mas um exame minucioso destas duas passagens facilmente irá demonstrar que na verdade estas não suportam tal doutrina.

Em 2 Tm 3,16-17 lemos: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, refutar, corrigir, educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para qualquer boa obra”. Existem aqui cinco considerações que enfraquecem a interpretação protestante desta passagem:
1 - A palavra grega ophelimus utilizado no v.16 significa útil e não suficiente. Um exemplo desta diferença seria dizer que a água é útil para nossa existência - mesmo necessária - mas não é suficiente; isto é, ela não é o único componente que nos manteria vivos. Também precisamos de alimentos, medicamentos, etc. Da mesma forma, a Escritura é útil na vida do cristão, mas isto nunca quis dizer que ela é a única fonte de ensino para o cristão, ou e a única coisa da qual ele necessita.

2 - A palavra grega pasa, que geralmente é traduzida como “toda”, na realidade significa “qualquer”, e seu sentido se refere a cada uma ou qualquer uma das classes denotadas pelo substantivo a que está conectado. Em outras palavras, a forma grega indica que toda Escritura é útil. Se a doutrina da Sola Scriptura fosse verdadeira, baseada no verso grego 16, todo e qualquer livro da Bíblia poderia, isoladamente, ser considerado a única regra de fé, uma posição que é obviamente absurda.

3 - A Escritura a que Paulo se refere é o Antigo Testamento, um fato que é claramente referido pelo fato de as Escrituras serem conhecidas desde a tenra infância (v.15) por Timóteo. O Novo Testamento como conhecemos ainda nem mesmo existia, ou na melhor das hipóteses estava incompleto, então não poderia estar incluído no que Paulo quis dizer com o termo Escritura. Se aceitarmos as palavras de Paulo sem analisarmos o que realmente significam, a Sola Scriptura, então, significaria que a única regra de fé do cristão é o Antigo Testamento. Esta é uma conclusão que todos os cristãos rejeitariam.

Os protestantes responderiam a este argumento dizendo que Paulo não está tratando do cânon da Bíblia (os livros inspirados que constituem a Bíblia), mas sim da natureza da Escritura. Ainda que haja alguma validade nesta afirmação, a questão do cânon também é relevante aqui, pelas seguintes razões: antes que falemos da natureza das Escrituras como sendo theopneustos, ou seja, inspirados (literalmente "soprados por Deus"), é imperativo que identifiquemos com segurança os livros que queremos listar como Escritura; de outra forma, livros errados poderiam ser chamados de inspirados. Obviamente, as palavras de São Paulo aqui tomaram uma nova dimensão quando o Novo Testamento foi completado, e os cristãos eventualmente as consideravam, também, como sendo Escritura. Deve ser dito, então, que o cânon bíblico também entra na questão, pois Paulo - escrevendo sob a inspiração do Espírito Santo - enfatiza o fato de que toda (e não somente alguma) Escritura é inspirada. A questão que deve ser discutida, entretanto, é esta: como podemos ter a certeza de que temos todos os livros corretos? Obviamente, somente poderemos conhecer a resposta se soubermos qual é o cânon da Bíblia. Tal questão guarda um problema para os protestantes, mas não para os católicos, pois estes possuem uma autoridade infalível que pode responder.

4 - A palavra grega artios, aqui traduzida como “perfeito”, à primeira vista pode fazer crer que a Escritura é de fato tudo o que é necessário. "Logo", alguém poderia perguntar, "se as Escrituras tornam o homem de Deus perfeito, que mais seria preciso? Por acaso a palavra 'perfeito' não significa que nada mais é necessário?". Bem, a dificuldade com esta interpretação é que o texto não diz que somente pelos meios da
Escritura o homem de Deus é tornado perfeito. O texto indica precisamente o oposto, pois é verdadeiro que a Escritura opera em conjunção com outras coisas. Note que não é qualquer um que se torna perfeito, mas o homem de Deus - que significa um ministro de Deus (cf. 1 Tm 6,11), um sacerdote. O fato deste indivíduo ser um ministro de Cristo pressupõe que ele já estava acompanhando um estudo que o prepararia para exercer tal ofício. Sendo assim, a Escritura poderia ser mais um instrumento dentro de uma série de outros que tornam o homem de Deus perfeito. As Escrituras poderiam complementar sua lista de itens necessários ou poderiam ser o item mais proeminente da lista, mas seguramente não eram a única ferramenta de sua lista nem pretendia ser tudo o que necessitaria. Por analogia, considere um médico. Neste contexto, poderíamos dizer algo como "O Tratado de Medicina Interna do Harrison (livro texto de referência na prática médica mundial) torna nossa prática médica perfeita, logo estamos aptos a qualquer procedimento médico". Obviamente tal afirmativa não pode significar que tudo o que o médico precisa seja o TMIH. Este é um item entre vários outros, ou o mais proeminente. O médico também necessita de um estetoscópio, um tensiômetro, um otoscópio, um oftalmoscópio, técnicas cirúrgicas, etc.


Estes outros itens são pressupostos pelo fato de estarmos falando de um médico, e não de um leigo. Logo, seria incorreto presumir que somente o TMIH torna o médico perfeito, a única ferramenta necessária. Além disso, considerar que a palavra “perfeito” significa o único item necessário resulta em contradição bíblica, pois em Tg 1,4 lemos que a paciência - sem citar as Escrituras - torna os homens perfeitos e íntegros, livres de todo defeito. É verdade que aqui uma palavra grega diferente - teleios - é usada para “perfeitos”, mas permanece o fato de que o entendimento básico é o mesmo. Então, se alguém certamente entende que a paciência não é a única ferramenta que o cristão precisa para ser perfeito, um método interpretativo consistente levaria-nos a reconhecer da mesma forma que as Escrituras não são a única coisa que o homem de Deus necessita para ser perfeito.

5 - A palavra grega exartio no v.17, traduzida por “qualificado” (outras Bíblias trazem algo como "equipado” ou “plenamente qualificado”) é tida como uma prova pelos protestantes da Sola Scriptura, pois esta palavra - novamente - implica em dizer que nada mais é necessário ao homem de Deus. Contudo, ainda que o homem de Deus seja qualificado ou plenamente equipado, este fato por si mesmo não garante que este homem saiba interpretar e aplicar corretamente uma passagem bíblica. O sacerdote deve também aprender como usar corretamente as Escrituras, mesmo que ele já esteja equipado com elas. Considere de novo a analogia do médico. Pense num estudante de medicina no início de sua residência. Ele deve dispor de todo seu arsenal necessário para os procedimentos cirúrgicos, ou seja, ele deve estar qualificado, plenamente equipado para qualquer procedimento de emergência, mas a menos que ele passe boa parte do tempo junto a médicos mais experientes, observe suas técnicas, aprenda suas habilidades, e pratique algum procedimento ele próprio, os instrumentos cirúrgicos que possui são completamente inúteis. Sem dúvida, se não aprender a usar tais instrumentos apropriadamente, estes mesmos podem se tornar armas perigosas em suas mãos. Quem se habilitaria a submeter-se a um cirurgião que aprendeu cirurgias por cursos de correspondência? Da mesma forma ocorre entre o homem de Deus e a Escritura.

Estas, como os instrumentos cirúrgicos, são preciosos apenas quando bem manipulados. Do contrário, os resultados são o oposto do esperado. Mal usados, um pode trazer a dor e a morte física, a outra, a dor e a morte espiritual. Devido a Escritura nos advertir a mantermos a retidão da palavra da verdade (cf. 2 Tm 2,15), é óbvio, portanto, que a palavra da verdade pode ser desviada de seu correto caminho - da mesma forma que um estudante de medicina destreinado que usa incorretamente seu instrumental. Com relação ao Ap 22,18-19, há duas considerações que desqualificam a Sola Scriptura. A passagem - quase a última da Bíblia - diz: “Eu atesto a todo o que ouvir as palavras proféticas deste livro: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhes acrescentará as pragas escritas nesse livro. E se alguém tirar qualquer coisa das palavras deste livro profético, Deus lhe retirará a sua parte da árvore da vida e da cidade santa, que estão descritas neste livro”.


1 - Quando os versos desta passagem afirmam que nada deve ser acrescentado ou retirado das palavras deste livro profético, não estão se referindo à Sagrada Tradição sendo acrescentada à Sagrada Escritura. É óbvio pelo contexto que o livro aqui referido é o próprio Apocalipse, e não a Bíblia inteira. Sabemos disso porque São João diz que o que for culpado por acrescentar a este livro será penalizado com as pragas escritas neste livro, as pragas que ele mesmo descreveu em seu próprio livro, o Apocalipse. Afirmar algo diverso disso é atentar contra o texto e distorcer seu claro significado, especialmente devido a Bíblia que conhecemos ainda não existir quando esta passagem foi escrita, sendo assim não poderia significar o compêndio cristão.

Na defensiva de sua interpretação, os protestantes trarão o argumento de que Deus vê adiante, vê qual seria o cânon da Bíblia, sendo o Apocalipse o último livro da Bíblia, e portanto Ele definiu o cânon com as palavras dos vv.18-19. Mas esta interpretação necessita que busquemos o significado do texto. Além do mais, se tal afirmação for correta, como o cristão pode saber inquestionavelmente que Ap 22,18-19 está selando o cânon a menos que um intérprete infalível lhe confirme que este é, inquestionavelmente, o único sentido deste versículo? Porém, se tal autoridade existe, então a doutrina da Sola Scriptura - ispo facto - torna-se nula e a ser evitada.

2 - A mesma advertência de não acrescentar ou subtrair palavras é vista em Dt 4,2, que diz: “Nada acrescentareis às palavras dos mandamentos que vos dou, e nada tirareis; assim guardareis os mandamentos do SENHOR, vosso Deus, que eu vos dou”. Se aplicarmos uma interpretação paralela com este verso, logo tudo o que está na Bíblia além dos decretos das leis do Antigo Testamento deveria ser considerado apócrifo ou não-canônico - incluindo o Novo Testamento! Mais uma vez, todos os cristãos rejeitam, imediatamente, esta conclusão. A proibição de Ap 22,18-19 contra a adição, portanto, não pode significar que os cristãos estão proibidos de buscar algum guia fora da Bíblia.


Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R1

A Igreja foi quem deu origem à Bíblia, não o contrário.


A doutrina da Sola Scriptura não dá importância - ou pelo menos grosseiramente desmerece - ao fato de que a Igreja surgiu antes da Bíblia, e não o contrário. Foi a Igreja, com efeito, que escreveu a Bíblia sob a inspiração do Deus todo-poderoso: os israelitas como a Igreja do Antigo Testamento (ou pré-católicos) e os católicos da Igreja do Novo Testamento.
Nas passagens do Novo Testamento notamos que Nosso Senhor dá certa primazia à autoridade do ensino de Sua Igreja e sua proclamação em Seu nome. Por exemplo, em Mateus 28,20 vemos Jesus ordenando os apóstolos a ir e ensinar em Seu nome, fazendo discípulos em todas as nações. Em Marcos 16,15 vemos que os apóstolos são enviados a pregar a todo o mundo. E em Lucas 10,16 vemos que aquele que escuta os setenta e dois escuta o Senhor. Estes fatos são muito importantes, pois em lugar algum vemos Nosso Senhor ordenando que seus apóstolos evangelizem o mundo escrevendo em Seu nome. A ênfase está sempre na pregação do Evangelho, não na sua impressão e distribuição escrita.

Então segue que o comando e a autoridade do ensino da Igreja são elementos indispensáveis como meios pelos quais a mensagem do Evangelho deve alcançar os confins do mundo. Pelo fato de a Igreja ter escrito a Bíblia, é lógico e racional dizer que somente a Igreja detém a autoridade para interpretá-la e aplicá-la. E sendo assim, por causa de sua natureza e origem, a Bíblia não pode servir como única regra de fé para os fiéis cristãos. Em outras palavras, por ter produzido a Escritura, a Igreja não elimina a necessidade de ela mesma servir como mestre e intérprete destas Escrituras.

Além do mais, não é errado dizer que somente por colocar a autoridade apostólica no papel, a Igreja de alguma forma faz com que esta mesma autoridade seja superior ao ensino oral? Semelhantemente à organização que Nosso Senhor estabeleceu, Sua palavra é autoridade, mas porque esta palavra está posta em uma forma diferente da outra não significa que uma forma seja superior à outra. Pelo fato de a única Palavra de Deus ser dimórfica em sua organização, negar a autoridade de uma é negar a autoridade da outra. As formas da Palavra de Deus são complementares, não excludentes. Portanto, se há necessidade das Escrituras, também há necessidade da autoridade que as produziu.


Para entender melhor, leia: Os primeiros cristãos não tinham uma Bíblia completa


Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R7

É completamente estranha à Igreja primitiva.


A idéia da autoridade da Escritura existindo separada da autoridade do ensino da Igreja é completamente estranha à Igreja Primitiva. Se buscarmos os escritos dos Pais da Igreja Primitiva, encontraremos referências à Sucessão Apostólica1, aos bispos como guardiões do Depósito da Fé, e ao primado e autoridade de Roma. O precioso valor destas referências torna claro o fato de que a igreja primitiva entendeu a si própria como uma hierarquia necessária para proteger a integridade da fé. Em lugar algum encontramos alguma indicação de que os primeiros fiéis cristãos discordavam da autoridade da Igreja e a consideravam inválida como regra de fé. Do contrário, vemos nestes escritos que a Igreja, desde a sua mais longínqua origem, entendeu sua autoridade para ensinar como uma combinação inseparável entre Escritura e Tradição Apostólica - sendo ambas ensinadas e interpretadas com autoridade pelo Magistério da Igreja, cuja cabeça é o bispo de Roma.


Dizer que a Igreja primitiva acreditava na noção de somente a Bíblia, seria o mesmo que dizer que homens e mulheres poderiam alegar que as leis civis não necessitam de um Congresso que as legisle, ou de uma corte que as interprete e de polícia alguma que as execute. Tudo que seria necessário seria o livro de Direito Civil em todas as casas para que cada cidadão possa determinar por si mesmo como entender e aplicar as leis. Tal afirmação, claro, é absurda, pois ninguém esperaria que as leis civis funcionassem bem deste modo. A conseqüência de tal escândalo inadvertidamente levaria à anarquia total.

Quão mais absurdo, então, é pretender que a Bíblia possa funcionar por si mesma sem a Igreja que a organizou? É somente esta Igreja - e não somente qualquer cristão - que possui a autoridade divinamente transmitida para a interpretar corretamente, assim como legislar sobre os problemas decorrentes da conduta de seus membros. Se este não fosse o caso, qualquer nível de situação - local, regional ou global - rapidamente desenvolver-se-ia em anarquia espiritual, onde cada cristão pode formular um sistema teológico e desenvolver uma moral simplesmente baseadas em sua própria interpretação da Bíblia.

E desde a tão chamada Reforma não é isto que estamos vendo? De fato, um exame do escândalo na Europa que imediatamente seguiu a gênese da reforma - particularmente na Alemanha - irá demonstrar que o resultado das doutrinas da reforma são uma desordem tanto espiritual quanto social. Mesmo Lutero se mostrou desapontado pelo fato de que infelizmente, é de nossa costumeira observação que agora sob o Evangelho o povo está mais amargo, invejoso e avarento que antes sob o papado.


Para entender melhor, leia:  A Igreja foi quem deu origem à Bíblia, não o contrário.


Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R8

Existem centenas de versões bíblicas.



Como mencionado no tópico anterior, existem milhares e milhares de variações nos manuscritos bíblicos. Acrescentado a isto o fato histórico de que existiram centenas de versões bíblicas, variando cada uma tanto em tradução quanto em fontes textuais. A questão é: qual é a versão correta? Ou qual é a versão mais fidedigna ao original? A possível resposta dependerá de qual lado você estiver, ou de católicos ou de protestantes. Outra saída dependerá de qual especialista bíblico você depositará sua confiança e credibilidade.

É fato que algumas versões são inferiores a outras. Os avanços nos campos arqueológicos possibilitaram descobertas (como os manuscritos do Mar Morto) que alteraram nosso conhecimento sobre locais e linguagens bíblicas antigas. Sabemos mais hoje pelos avanços dos estudos bíblicos que nossos antepassados de 100, 200, 1000 anos atrás. Deste ponto de vista, versões bíblicas contemporâneas provavelmente possuem certa superioridade em relação às suas versões mais antigas. Por outro lado, Bíblias transcritas a partir da Vulgata latina de São Jerônimo (quarto século) - em língua inglesa, a Douay-Rheims - são baseadas em textos originais que não existem mais, portanto estas versões passaram por dezesseis séculos de possíveis corrupções.

Isto causa um problema considerável aos protestantes, pois significa que os protestantes modernos possuem, por assim dizer, uma versão bíblica melhor ou mais acurada que a Bíblia de seus antecessores, que, portanto, possuíram Bíblias de menor qualidade - que por sua vez leva a concluir que os protestantes modernos possuem uma bíblia "mais completa" como autoridade final que a bíblia "menos completa" que dos antigos protestantes. Só que esta discrepância entre autoridades começa a diminuir a doutrina da Sola Scriputra, pois esta significa que uma bíblia não é mais ou menos autoritária que outra, e se uma não é autêntica e completa, a probabilidade de produzir doutrinas erradas é imensa, logo a função particular da bíblia como autoridade final falha, pois não pode mais ser uma autoridade final.

Outro ponto a considerar é que traduções bíblicas, como produtos humanos, não são completamente objetivas e imparciais. Um pode se sentir mais à vontade de incluir notas a uma passagem de uma maneira que corresponda melhor à doutrina que deseja transmitir. Um exemplo disto é a ocorrência da palavra grega paradoseis nas bíblias protestantes.

Como negam a existência da Sagrada Tradição, algumas traduções trazem esta palavra como ensinamentos ou costumes e não tradições, sendo que esta última é a que mais se encaixa na tradução correta e à posição católica. Ainda outra consideração é que algumas versões são corrupções bíblicas notáveis, como é o caso da Bíblia dos Testemunhas de Jeová, a New World Translation. Nela os "tradutores" manusearam passagens bíblicas para propagar doutrinas erradas. Agora, a menos que haja uma autoridade fora da Bíblia para declarar tais traduções como falsas e perigosas, com qual autoridade e revelação divina os protestantes podem considerar esta ou aquela tradução como falsa? Com qual autoridade os protestantes podem impedir os Testemunhas de usar esta tradução para difundir suas doutrinas? Os protestantes responderiam que este caso pode ser encontrado na Bíblia, através dos estudos de pesquisadores bíblicos.

Contudo isto ignora o fato dos Testemunhas também basearem sua tradução em estudos "especialistas". Forma-se um jogo de vai-e-volta, colocando as conclusões de um especialista contra outro, uma autoridade
humana contra outra. Este problema somente pode ser resolvido pela intervenção de um magistério infalível e com autoridade de falar por Cristo. O católico sabe que esta autoridade é a Igreja Católica e a autoridade de seu magistério.

No exercício desta autoridade, os bispos católicos conferem o imprimatur ("Imprima-se") que deve constar nas primeiras páginas de certas versões bíblicas e outros tipos de literatura religiosa para alertar os leitores que aquele livro não contém nada contrário ao ensinamento de Cristo ou dos apóstolos.


Para entender melhor, leia: Os manuscritos bíblicos possuem milhares de variações.

Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R15

Os manuscritos bíblicos possuem milhares de variações.


Percebeu-se que, existindo milhares de manuscritos da Bíblia, estes manuscritos continham milhares de variações textuais; um autor estima que devam existir mais de 200.000 variações. Apesar de muitas destas variações referirem-se a temas menores - tais como escrita, ordem das palavras e etc. - também existem variações das mais importantes naturezas:

a) os manuscritos demonstram que algumas vezes os escribas modificavam o texto para harmonizar passagens, acomodá-las a fatos históricos, e para estabelecer uma correta conduta doutrinária;
b) existem partes de versículos (isto é, mais que simples palavras) que possuem leitura diferente em diferentes manuscritos, como Jo 7,39, At 6,8, Cl 2,2 e 1 Ts 3,226. Estes fatos levam o protestante a não saber se a Bíblia que possui é a mesma Bíblia que foi escrita pelo autor inspirado. E se este é o caso, então como o protestante pode professar a base de sua crença somente na Bíblia quando ele não consegue determinar com certeza a autenticidade textual desta mesma Bíblia?

Primeiro, de acordo com os manuscritos que possuímos, existem quatro possíveis finais para o Evangelho de Marcos: o menor, que inclui os vv.1-8 do capítulo 16, o longo, que inclui os vv.1-8 mais os vv.9-20; o intermediário, que inclui duas ou três linhas entre o v.8 e o final longo, e o final longo expandido, que inclui vários versículos após o v.14 do final longo. O melhor que podemos concluir sobre estas diferenças é que não podemos saber, apenas pela Bíblia, onde termina o Evangelho de Marcos, e, dependendo de qual final está (ou estão) incluído(s) na Bíblia protestante, o publicador corre o risco de estar distribuindo Bíblias acrescentando ou omitindo versículos do texto original - portanto violando a doutrina da Sola Scriptura, que requer que somente a Bíblia, e a Bíblia inteira seja a única regra de fé. Mesmo se uma Bíblia protestante incluir todos os quatro finais com notas de rodapé e comentários, mesmo assim não terão a certeza de qual final é o genuíno.

Segundo, há algumas evidências para leituras alternadas de alguns textos centrais da Bíblia, tal como Jo 1,18, onde ocorrem dois possíveis significados. Algumas Bíblias (como a King James Version) trazem este versículo como está na Douay-Rheims: Nenhum homem viu a Deus em qualquer tempo, o filho único que está no seio do Pai o revelou. Outras acompanham a New Internacional Version: Ninguém jamais viu Deus. O Filho único, que está à direita do Pai, foi quem o revelou. Ambas as formas estão sustentadas por manuscritos, e você encontrará exegetas bíblicos debruçarem seus mais preciosos julgamentos à que crêem seja a "correta".

Uma situação similar ocorre em At 20,28, onde os manuscritos mostram que Paulo poderia estar se referindo tanto à Igreja do Senhor (gr. Kurion) ou à Igreja de Deus (gr. Theou). Este assunto pode parecer simplório à primeira vista, mas suponha que você esteja tentando evangelizar um membro de uma seita que nega a divindade de Jesus Cristo. Ainda que Jo 1,18 e At 20,28 não sejam as únicas passagens que possam defender a divindade de Nosso Senhor, você ficará incapacitado de utilizá-los com esta pessoa, dependendo de qual manuscrito sua Bíblia foi reproduzida. Isto levaria-o a uma possibilidade reduzida de defender uma doutrina bíblica fundamental, e este fato tornaria problemática a perspectiva da doutrina da Sola Scriptura. 


Para entender melhor, leia: Nenhum dos escritos bíblicos originais existem mais.


Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R14

segunda-feira, julho 04, 2016

Nenhum dos escritos bíblicos originais existem mais.


Uma importante consideração - talvez uma das mais fatais à doutrina da Sola Scriptura - é a de que não possuímos ao menos um manuscrito original de nenhum livro da Bíblia. Claro que existem milhares de manuscritos que são cópias dos originais - e mais provável é que sejam cópias das cópias -, e este fato em nada auxilia a Sola Scriptura pela simples razão de que sem os originais, ninguém pode garantir que possuímos atualmente a Bíblia real, completa e sem corrupções. Os autógrafos originais são inspirados, as cópias não...

Os protestantes argumentam que não há problema em não ter os escritos originais, pois Deus protegeu a Bíblia protegendo sua duplicação ao longo dos séculos. Entretanto, existem dois problemas com esta linha de pensamento. Primeiro, que afirmar que a providência de Deus manteve a integridade das cópias é afirmar algo que não encontra nem de longe suporte nas Escrituras, logo não pode ser tomada como regra de fé, pela própria definição de Sola Scriptura. Em outras palavras, não se encontra versículo algum que demonstre que Deus protegeria a transmissão dos manuscritos, logo esta conclusão está excluída. A Bíblia nada diz a respeito.

Segundo, se você afirmar que Deus protegeu a transmissão da Sua Palavra escrita, então podemos concluir que também protegeu a transmissão de Sua Palavra oralmente (releia 2 Ts 2,15 e a dimórfica estrutura da Palavra de Deus). Até porque a pregação do Evangelho começou pela Tradição Oral (cf. Lc 1,1-4 e Rm 10,17). Somente muito tempo depois uma parte da Tradição oral fora posta na forma escrita - tornando-se a Sagrada Escritura - e somente muito tempo após este mesmo evento os escritos foram reconhecidos e definidos com canônicos. Uma vez que você possa reconhecer que Deus protegeu a transmissão oral de Sua mensagem, você automaticamente admite as bases da Sagrada Tradição e já começou a compreender a posição católica.

Nota: Nem as primeiras cópias da Bíblia, o Codex Vaticanus e o Codex Sinaiticus, ambos datados do quarto século d.C., nem qualquer outra cópia contém a Bíblia inteira, pois partes dos manuscritos foram perdidos ou destruídos. A grande maioria dos manuscritos que existem atualmente são apenas fragmentos da Bíblia. A ironia é que foi pelos esforços incansáveis e laboriosos dos monges católicos em suas clausuras que a Palavra de Deus escrita sobreviveu através dos séculos. A acusação de que os católicos fizeram de tudo para suprimir a Bíblia é uma das mais perniciosas falsidades, e é facilmente refutada pelo atento exame nas pesquisas da história da Igreja. Muito pelo contrário, a Igreja Católica, cuja única função é ser a guardiã do Depósito da Fé, protegeu a Bíblia das traduções falsas e espúrias, e foram estas versões que foram destruídas ou queimadas para evitar que falsos evangelhos circulasse.


Para entender melhor, leia: Não há fundamento em crer que a Bíblia é auto-autenticável. 

Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R13

Não há fundamento em crer que a Bíblia é auto-autenticável.


Procurando uma resposta satisfatória ao problema de como fora determinado o cânon bíblico, os protestantes costumeiramente apelam para o argumento de que a Bíblia é auto-autenticável, ou seja, os próprios livros da Bíblia dão testemunho de que eles são inspirados. O grande problema com esta afirmação é que uma boa excursão pela história da Igreja demonstra que esta teoria é falha. Por exemplo, vários livros do Novo Testamento - Tiago, Judas, 2, Pedro, 3 João e Apocalipse - receberam questionamentos acerca de seu status canônico por algum tempo. Em alguns lugares eram aceitos, enquanto simultaneamente em outros eram rejeitados. Mesmo grandes pensadores, como Santo Atanásio (297-373), São Jerônimo (342-420) e Santo Agostinho (354-430) apresentaram listas de livros do Novo Testamento que refletiam o que era reconhecido como inspirado em seus tempos e lugares, porém nenhuma destas listas correspondia ao Novo Testamento que fora identificado pela Igreja Católica no fim do século 4 e que até hoje corresponde à Bíblia que os católicos possuem.

Se a Bíblia é auto-autenticável, porque, então, havia tamanha discórdia e incerteza sobre tantos livros? Porque a disputa? Porque o cânon não foi identificado logo do início, já que os livros são prontamente discerníveis? A única resposta a estes questionamentos é que o cristão deve aceitar que a Bíblia não é auto-autenticável.
Mais interessante também é o fato de que alguns livros da Bíblia não identificam seu próprio autor. A idéia de auto-autenticação - se fosse verdade - seria mais plausível se cada um dos autores bíblicos identificassem a si mesmos, pois examinaríamos mais facilmente suas credenciais, ou, no mínimo, quem era que alegava falar em nome de Deus.
Mas quanto a isso a Bíblia nos deixa ignorantes, com poucos exemplos. Tome o Evangelho de Mateus como exemplo: não há indicação de que fora Mateus, o cobrador de impostos, quem o escreveu. Há duas possibilidades, então, para conhecermos o autor deste livro:


1) através da Tradição;
2) por estudiosos bíblicos.


Em ambos os casos, a fonte da conclusão é "extra-bíblica", e, portanto, condena a doutrina da Sola Scriptura à completa incompetência e fracasso. Mas os protestantes respondem a este argumento dizendo que não é necessário conhecer se Mateus escreveu ou não este Evangelho, pois a salvação não depende de conhecer se foi ele ou outro quem o escreveu. Porém, tal ponto de vista guarda uma dificuldade. O que os protestantes estão dizendo é que, enquanto um Evangelho autêntico é a Palavra de Deus e é o meio pelo qual o cristão adquire um conhecimento salvífico de Jesus Cristo, o mesmo cristão não tem como saber com certeza, no caso do Evangelho de Mateus, se este é de origem apostólica e, conseqüentemente, não possui meios para saber se este Evangelho é autêntico (ou seja, a Palavra de Deus) ou não. E se a autenticidade deste Evangelho é questionável, então porque está incluído na Bíblia? Se sua autenticidade é certa, como se pôde saber com a ausência do autógrafo de Mateus? A única saída coerente é admitir que a Bíblia não é autoautenticável.

O protestante então recorrerá à asserção bíblica de autoinspiração, citando a passagem de 2 Tm 3,16 - Toda Escritura é inspirada por Deus, e útil... - Contudo, a alegação de inspiração não é por si só garantia de inspiração. Considere o fato de que os escritos de Mary Baker Eddy, a fundadora da seita Ciência Cristã, aleguem ser inspirados. Os escritos de Joseph Smith, o fundador da seita Mórmon, afirmem serem inspirados. São apenas dois exemplos, entre muitos, que demonstram que qualquer escrito particular pode reclamar a autoridade sobre qualquer coisa. Obviamente, para reconhecermos se um escrito é inspirado de verdade ou não, necessitamos mais do que tal afirmação escrita no papel. A garantia de inspiração de algum escrito deve vir de fora deste escrito, senão será um eterno argumento circular. No caso da Bíblia, a garantia deve vir de uma fonte fora da Bíblia. Porém a autenticação extra-bíblica é uma possibilidade excluída pela Sola Scriptura.


Para entender melhor, leia O Cânon da Bíblia foi definido por uma autoridade “extra-bíblica”.

Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R12

O Cânon da Bíblia foi definido por uma autoridade “extra-bíblica”.


Devido a Bíblia não vir com um índice inspirado, a doutrina da Sola Scriptura criou um outro dilema: como alguém pode saber quais são os livros que pertencem à Bíblia - principalmente, ao Novo Testamento? Um fato inquestionável é que ninguém pode saber disso, a menos que alguma coisa fora da Bíblia mostre a resposta. E sem dúvida, este detalhe a mais deve ser, por necessidade, infalível, pois a possibilidade de haver erro na definição dos livros inspirados significa que todos os cristãos estariam correndo o risco de estar lendo livros não inspirados, uma situação que tornaria a Sola Scriptura defeituosa. Porém, se houve tal autoridade "extra-bíblica", a doutrina da Sola Scriptura desaba da mesma forma.


Outro fato histórico que dificulta ainda mais a aceitação desta doutrina é que não houve qualquer outra instituição que tenha identificado e ratificado o cânon da Bíblia. Os três Concílios mencionados anteriormente, todos, eram concílios católicos. A Igreja Católica deu a sua definição final do cânon da Bíblia no Concílio de Trento em 1546 - nomeando os mesmos 73 livros que já haviam sido incluídos desde o século IV. Se a Igreja Católica é capaz, então, de conceder uma definição autoritária e infalível de tão importante assunto sobre quais livros deve conter a Bíblia, logo com que bases alguém pode questionar sua autoridade em outros assuntos acerca de fé e moral?

Os protestantes, no mínimo, devem, assim como o seu fundador, Martinho Lutero, reconhecer que a Igreja Católica protegeu e organizou a Bíblia: Somos obrigados a reconhecer muitas coisas aos católicos - (como por exemplo), que eles possuem a Palavra de Deus, que nós recebemos deles; de outro modo, não saberíamos nada sobre ela.

Nota: O leitor deve notar que a Igreja Católica não afirma que a identificação dos livros da Bíblia não os tornaram canônicos. Deus é quem é o autor da canonicidade. A Igreja Católica afirma, isto sim, que somente ela detém a autoridade e responsabilidade por identificar infalivelmente quais são os livros canonizados por Deus que devem compor a Bíblia cristã.


Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R11

O Cânon da Bíblia não estava formado até o século IV.


Um dos fatos históricos que é um extremo inconveniente aos protestantes é o fato de que o cânon da Bíblia - a lista sagrada dos livros que fazem parte das Escrituras inspiradas - não fora definido até o final do século IV. Até esta data, havia larga discórdia sobre quais seriam os livros considerados inspirados e de origem apostólica. O cânon bíblico antigo variava de local a local: algumas listas continham livros que mais tarde foram reconhecidos como apócrifos, enquanto outras listas não traziam livros que hoje constam entre os livros canônicos. Por exemplo, existiam livros cristãos que eram considerados por alguns inspirados e apostólicos e que eram lidos nos cultos públicos, mas que foram mais tarde omitidos do Novo Testamento, entre eles, O Pastor de Hermas, Epístola de Barnabé, Didaché. Somente nos Concílio de Roma (382), Hipona (393) e Cartago (397) podemos encontrar uma lista definitiva dos livros canônicos sendo descrita, e cada um destes concílios reconheceu a mesma lista do anterior. A partir de então, não houveram mais disputas sobre o cânon bíblico, a única exceção ficando a cargo dos reformadores protestantes, que entraram em cena em 1517, inacreditáveis 11 séculos depois.


Mais uma vez, mais duas questões fundamentais porque alguém não deve buscar respostas que sejam consoantes com a Sola Scriptura:
a) Quem ou o quê serviu como autoridade cristã final durante o tempo em que o Novo Testamento não tomou forma?
b) E se havia alguma autoridade final que os protestantes reconhecem antes da definição do cânon, com que bases esta autoridade desapareceu uma vez que o cânon bíblico tenha sido fechado?


Para entender melhor leia Os heresiarcas basearam-se na interpretação bíblica sem o Magistério da Igreja.



Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R10

Os heresiarcas basearam-se na interpretação bíblica sem o Magistério da Igreja.


Os heresiarcas e os movimentos heréticos basearam suas doutrinas na interpretação da Bíblia separada do Magistério e da Tradição. Ao longo da história da Igreja primitiva, vemos que ela lutou continuamente contra as heresias e contra quem as promovia. Vários foram os concílios que responderam aos desafios dos detratores e recorreram à Roma para dar um fim às disputas doutrinárias e disciplinares. Por exemplo, o Papa Clemente interveio em uma discussão na comunidade de Corinto no fim do primeiro século e acabou com um cisma por lá. No segundo século, o Papa Vitor excomungou uma grande parte da Igreja no Oriente por motivos de divisões sobre quando a páscoa deveria ser celebrada. No início do século três, o Papa Calixto condenou a heresia sabeliana.

Nestes casos, quando estas heresias ou conflitos disciplinares ocorrem, as pessoas envolvidas defendem seus erros através de sua própria interpretação das Escrituras, excluindo a participação da Tradição e do Magistério da Igreja. Um bom exemplo disto é o caso de Ário, sacerdote do quarto século que declarou que o Filho de Deus era uma criatura e não co-substancial ao Pai.

Ário e todos os seus seguidores citavam versículos da Bíblia para provar seus argumentos. Os debates que chegaram por causa desta doutrina tornaram-se tão volumosos que foi convocado o primeiro Concílio Ecumênico, em Nicéia, em 325 d.C. O Concílio, sob a autoridade do Papa, chegaram as doutrinas arianas heréticas e elaborou declarações definitivas quanto à pessoa de Jesus, e fez isso baseada no que a Sagrada Tradição tinha a dizer sobre os versículos bíblicos em questão.

Aqui vemos a autoridade da Igreja sendo utilizada como última e extremamente importante palavra em matéria doutrinária. Caso não existisse autoridade alguma a quem apelar, a heresia de Ário poderia ter se apossado da Igreja. A maioria dos bispos daquela época foi seduzida pela heresia ariana. Apesar de Ário ter fundamentado sua doutrina nas Escrituras - e provavelmente comparou a Escritura pela Escritura - o fato é que chegou a uma conclusão herética. Foi somente a autoridade do ensino da Igreja - hierarquicamente constituída - que o freou e declarou que estava errado.


A implicação é óbvia. Se você perguntar a algum protestante se Ário estava ou não correto em sua doutrina de que o Filho fora criado, ele irá, claro, responder que não. Enfatize, então, que mesmo que ele tenha utilizado as Escrituras pelas Escrituras, mesmo assim ele chegou a uma conclusão errada. Se isto foi verdadeiro para Ário, o que garante ao protestante que este não é o caso acerca de sua interpretação de uma dada passagem bíblica? O fato de os protestantes reconhecerem que a interpretação de Ário estava errada implica dizer que de fato houve uma base bíblica para seus argumentos. Este fato, portanto, transforma-se em um questionamento acerca do que seja uma verdadeira interpretação bíblica. A única explicação possível é que deve haver, por necessidade, uma autoridade infalível que no-la diga. Esta autoridade infalível, a Igreja Católica, declarou Ário um herege. Se a Igreja Católica jamais foi infalível ou possuiu alguma autoridade em suas declarações, então os cristãos não teriam razão alguma em rejeitar Ário e aceitar a autoridade da Igreja, e a maioria do cristianismo atual seria baseado nos ensinamentos de Ário.

É evidente, portanto, que usar somente a Bíblia não é garantia de se chegar a uma doutrina verdadeira. O resultado acima descrito é o que acontece quando a falsa doutrina da Sola Scriptura é utilizada como princípio guia, e a história da Igreja e das inúmeras heresias que teve de combater são testemunhas inegáveis deste fato.

Para entender melhor, leia: É completamente estranha à Igreja primitiva.


Padre Paulo Nunes - 21 razões para rejeitar a "sola scriptura" - R9